featured-image

Regra gramatical básica: em monossílabo tônico terminado em “u” não se põe acento...

portanto, não ponha acento no “cu”. Foi assim que a professora começou uma das aulas mais legais de gramática que tive no cursinho. Por trás da “brincadeira” gramatical da professora existe uma verdade incontestável, o tabu em torno do sexo anal.



A piada “acentuar o cu” significa torná-lo excepcional, superestimá-lo; ou simplesmente colocar sobre ele uma aura de proibição, baseada em argumentos moralistas e religiosos. A região anal é uma zona erógena potente e qualquer pessoa pode sentir prazer, desde que esteja numa situação confortável para estimulá-lo. O que acontece é que a prática é popular , porém difamada e associada à perversão sexual.

E eu me rôo por dentro, perguntando o porquê? É possível que valores medievais cristãos ainda façam eco para essa difamação, como a ideia de que o sexo não pode ser fonte de prazer mas apenas um meio para a procriação. Ou seja, essa ideia nos diz que qualquer prática que fuja dos moldes “papai-e-mamãe” cis-heteronormativos no sexo é considerada pecaminosa. Um absurdo recheado de hipocrisia, não acham? Lembrando que os mais espertinhos, até os dias de hoje, já usaram e usam o sexo anal como contraceptivo e como perpetuador de uma suposta virgindade cis-feminina.

É pecado, pero no mucho. Um dos sinônimos para sexo anal é sodomia; palavra derivada da cidade bíblica de Sodoma, descrita no livro de Gênesis. Segundo as escrituras hebraicas, as cidades de Sodoma (Sodom) e Gomorra (Amorah) foram destruídas pelo agravamento de seus “pecados” ou de sua perversidade e promiscuidade.

Apesar de Gênesis não deixar claro a motivação divina concreta para a destruição das cidades, a interpretação de teólogos cristãos (manipuladores) desde a Idade Média foi moralizar o sexo anal, ao afirmar que as tais cidades foram dizimadas porque seus habitantes tinham relacionamentos homoafetivos e por isso tentaram estuprar dois anjos. Ora, me parece que o sexo anal chamou mais atenção dos teólogos que a perversidade do estupro. Me parece que eles acentuaram demais o “cu”.

Essa acentuação demasiada pode ter sido uma construção histórica da negação de recém-cristãos às práticas do Império Romano. Uma negação para impor novos valores e se auto-afirmarem diferentões. Era cultural que os cidadãos romanos transassem com seus escravizados e até efebos (com esses algo mais comum na Grécia antiga).

Apesar de parecer libertário em Roma e Grécia , as práticas homoafetivas masculinas eram condicionadas a muitas regras e extremamente machistas. Um romano não poderia fazer sexo oral num outro romano para não se ajoelhar diante de outro homem e assim perder seu status de igual. Tampouco penetrar outro romano, uma vez que o sexo anal era análogo ao sexo com mulheres.

Por isso cidadãos romanos poderiam penetrar e ser “chupados” por seus escravizados, uma vez que os escravizados eram considerados inferiores. Ou seja, uma lógica extremamente machista e desumanizadora. É interessante que essas regras romanas para o sexo homoafetivo se pareçam com a cultura do discurso de “machões” em práticas de penetração performadas pela violência.

É comum que o ativo se ponha num discurso de “senhor” e o passivo de “escravizado”. Inclusive muitos ativos rejeitam o espectro de “gays, bissexuais ou pansexuais” mesmo desejando e penetrando outros homens com frequência. Talvez por colocarem o véu da violência antes de uma possível afetividade.

E tudo isso advém do machismo internalizado no sexo com as mulheres cisgêneras e espelhamento no sexo anal homoafetivo. No discurso patriarcal, o corpo da mulher pertence ao homem (assim como o escravizado), homens penetram mulheres (assim como o escravizado), logo o prazer é apenas para o homem e por isso o estupro nem seria uma questão. Um ABSURDO.

É importante dizer que mulheres cisgeneras que declaram a prática do sexo anal são extremamente difamadas. No pano de fundo o discurso cultural é castrar o prazer feminino. Ao dizer tudo isso, eu não estou afirmando que não podemos performar ou fabular fetiches no sexo; mas quando essa performance se pauta pela repressão e retira o direito à subjetividade e prazer do outro ela é um problema social e precisa ser questionada.

Por isso precisamos falar de sexo com educação e respeito e de uma vez por todas retirar o acento do famigerado monossílabo tônico terminado em “u” Lembrando uma das cenas antológicas de Tatuagem , grande filme de Hilton Lacerda : “O símbolo da liberdade é o cu; porque é democrático e todo mundo tem.” Portanto, por favor, não acentuar o cu. Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

Basta clicar neste link para participar do canal e receber as novidades em primeira mão. Assim que você entrar, o template comum de conversa do WhatsApp aparece na sua tela. A partir daí, é só esperar as notícias chegarem!.

Back to Entertainment Page