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Trata-se de um processo de produção tão artesanal quanto fazer uma joia ou uma peça de alta-costura. Com uma agulha de tecer em mãos, o artesão costura fio a fio sobre uma touca de tela delicada feita sob medida. É justamente a precisão que garante a naturalidade do resultado.

Mas essa é apenas uma das etapas que envolvem a construção de uma peruca . Antes dela, é preciso buscar a matéria-prima perfeita e escolher o estilo desejado para que a peça seja customizada ao final. Se, no passado, entender em detalhes esse passo a passo poderia parecer um conhecimento abstrato para muitos, nos últimos anos, a perucaria vive uma onda de reconhecimento, com grandes nomes da indústria do entretenimento ajudando não só a popularizá-la, mas a transformar o imaginário sobre seu uso e torná-la um objeto de desejo.



Beyoncé, Rihanna , Lady Gaga são algumas das celebridades internacionais que contribuíram para o cenário atual. “Nos anos 2010, elas já usavam muitas perucas, mas não deixavam isso claro. Agora, a cada tapete vermelho ou show, vemos as famosas com um cabelo diferente, seja uma cor chamativa, um corte radical ou uma outra textura.

Não se esconde mais, afinal, é óbvio que tantas transformações em tão pouco tempo são impossíveis com os fios naturais , que ficariam extremamente danificados. O fato de não ser mais algo omitido ajuda a desmistificar preconceitos em torno da peruca”, diz a peruqueira Shady Jordan, que trabalha no ramo desde 2016. “O cabelo é, sem dúvida, uma forma de expressão e tem um grande impacto no nosso visual.

É mágica essa possibilidade de poder explorar diferentes versões de si mesmo. Ninguém é só um, e é muito libertador poder brincar com outras estéticas.” A aplicação de técnicas e materiais cada vez mais realistas também movimenta o setor, caso da lace e da front lace.

Esses formatos garantem um aspecto tão natural que a peruca se torna praticamente imperceptível. Para criá-las, usa-se o passo a passo descrito no início deste texto, extremamente artesanal. A diferença entre elas é que a lace é tecida totalmente à mão, o que a torna ainda mais trabalhosa, enquanto a front lace é tecida apenas na parte frontal e superior da touca, que são mais expostas.

O restante do cabelo é aplicado com a ajuda de uma máquina de costura. “Somente o implante fio a fio de uma front lace média pode levar quase 60 horas de trabalho, porque é muito manual. Para montar a peça toda, é preciso cerca de 20 dias.

A full lace pode demorar até 45 dias”, explica o hairstylist e peruqueiro Adriano Andrade. A escolha da matéria-prima também impacta na qualidade. Se, nos anos 1980, as fibras sintéticas invadiram completamente o mercado, hoje o cabelo humano é o mais procurado para quem deseja maior veracidade.

“Você pode fazer tudo com ele: manipular com ferramentas térmicas, criar penteados e texturas, coloração, cortes. E o resultado é muito mais natural. O cabelo sintético também tem um tempo de vida mais curto.

O fio humano bem cuidado pode durar a vida inteira”, completa o profissional, que conta com parte da sua clientela formada por pessoas que buscam nas perucas uma alternativa para tratamentos médicos que levam à perda de cabelo ou para doenças como alopecia. Apesar do boom atual, a peruca é um acessório bastante antigo. Os primeiros registros consistentes são do Egito, cerca de 2.

700 a.C. Os egípcios tradicionalmente faziam a raspagem de todos os pelos do corpo e utilizavam perucas em ocasiões públicas.

O rei Luís XIV, na França, tinha calvície e foi um grande adepto da perucaria. Dizem que o monarca contava com mais de 40 peruqueiros oficiais para criar o seu elaborado arsenal. Mas foi no século 18 que as perucas viveram o seu auge.

“Nessa época, elas funcionavam como um símbolo de status social e eram usadas pela aristocracia. Era o período do rococó e eram enormes, elaboradas, cheias de detalhes e formatos diferentes. Maria Antonieta ficou conhecida por utilizar modelos exuberantes, e o filme de 2006, de Sofia Coppola, retrata bem a importância desse item no guarda-roupa da rainha”, explica Roseana Sathler Portes Pereira, coordenadora do bacharelado em design de moda da PUC-Campinas.

Ao longo da história, a peruca também se tornou símbolo de resistência e afirmação para comunidades marginalizadas, como a das drag queens. A trajetória dessa estética, que tem grande influência no universo pop, na moda e na beleza, contribuiu inclusive para a popularização atual do acessório – Pabllo Vittar está aí para provar. Foi graças ao universo drag e ao começar a performar essa arte que Shady Jordan mergulhou na perucaria antes de tornar essa a sua profissão.

“O cabelo para o mundo drag é uma forma de identidade, é uma parte muito importante da caracterização. Os penteados costumam ter aparência maximalista, serem estruturados, vibrantes e supertrabalhados. Muitas drags fazem as próprias perucas, aprendem a tecer, a modelar.

Então realmente é um aspecto marcante. Eu, por exemplo, só consigo me visualizar montada depois de colocar um cabelo”, diz. “Comprei algumas perucas nada refinadas (feitas em máquina e de cabelo sintético) para uso próprio e comecei a treinar com elas.

Logo outras drags se interessaram, fizeram encomendas e foram minhas primeiras clientes.” Hoje, Shady conta com um acervo de mais de cem peças e tem suas perucas estampadas em grandes editoriais de moda e nas produções de celebridades como as cantoras Urias, Marina Sena e a apresentadora Sabrina Sato. Entre as mulheres negras, o cabelo sempre foi considerado uma forma de expressão, e as perucas também fazem parte dessa história.

“Olhando para o passado, acho que muitas pessoas negras utilizaram a peruca como uma maneira de ter uma aparência considerada ‘aceitável’ em uma sociedade racista ou como alternativa de cuidado com o cabelo crespo, já que não existiam tantos produtos focados nesse tipo de fio. Hoje, é um lugar de muito mais liberdade, claro que para algumas pessoas. Às vezes gosto de usar as perucas que faço.

Outras vezes, uso trança ou então meu cabelo natural. Posso amá-lo e ainda querer usar uma peruca. Isso de que a mulher negra que usa peruca quer ‘esconder’ sua negritude é muito mais um olhar da sociedade sobre nós, para nos aprisionar, do que qualquer outra coisa”, diz a hairstylist e peruqueira Lu Safro, que tem entre suas clientes a cantora Iza, fã de mudar os cabelos com o auxílio de perucas.

“Lá fora, as perucas sempre fizeram parte da identidade de várias rappers icônicas, por exemplo, Missy Elliott. Por aqui, conquistaram muitas personalidades do funk, como a Ludmilla e a Brunna, sua esposa, e a Mc Soffia.” E não dá para pensar na arte da perucaria e não falar de outra arte com a qual ela está intrinsecamente ligada, o teatro.

Desde a Antiguidade grega até os dias atuais, a caracterização tem as perucas como base, e foi nas coxias que, por muito tempo, a técnica centenária de produzir perucas foi difundida. “Quando vou desenvolver um personagem, o primeiro elemento que eu penso é o cabelo. Trata-se de um código muito rico.

Você pode usar os fios para comunicar características pessoais de maneira menos óbvia, como uma melancolia, uma rebeldia, uma personalidade introspectiva, é muito interessante. Já pensou em tudo que o seu cabelo pode dizer? Também existe um encantamento sobre a peruca, porque ela é como uma extensão de uma característica do seu próprio corpo que pode ser transformada. No cinema e na televisão, isso também acontece.

Outra curiosidade é que, com o avanço dos equipamentos de filmagem usados para essas telas, as perucas precisaram ficar ainda mais realistas”, comenta o figurinista e peruqueiro Malonna, que também desenvolve perucas para trabalhos musicais. “Duda Beat e Gloria Groove são algumas das cantoras com as quais já trabalhei.” Os dados confirmam a expansão desse mercado.

De acordo com o relatório Global Hair Extensions & Wigs Market Overview, o setor de perucas e extensões capilares deve valer US$ 14 bilhões até 2028, um crescimento de quase 9%. A melhora na qualidade dos produtos é um dos responsáveis pela movimentação, revela o estudo. “Hoje, uma front lace de cabelo humano comprido pode custar cerca de R$ 10 mil.

Mas esse preço pode variar muito dependendo das especificações necessárias. O cabelo brasileiro, por exemplo, é um dos de melhor qualidade, então é mais caro. Se for de fios claros, ela também encarece, porque é preciso de mais cabelo para preencher a lace ”, explica Adriano.

“Mas é possível encontrar diversas opções. Existem muitas perucas feitas de material sintético, que são mais baratas, opções de cabelo indiano que são muito usadas, mas não têm a qualidade premium e também versões que vêm da China com uma qualidade inferior, mas com preço mais acessível.” Mudar de cabelo como se muda de roupa? Se depender das redes sociais, sim.

“No nosso tempo, o ciclo das tendências está cada vez mais acelerado, principalmente por conta da internet, e as perucas têm se mostrado uma alternativa para lidar com essa aceleração”, reflete a professora Roseana Sathler sobre uma das razões para a ascensão atual da perucaria. “As pessoas de fato estão percebendo que ela pode ser um acessório, e que não precisamos ficar reféns de um mesmo visual o tempo todo. Mas, mesmo com tantas evoluções nesse mercado, é um movimento que acontece muito forte fora do país e chega aqui timidamente”, afirma o beauty artist Krisna Carvalho, que usa laces principalmente para trabalhos com celebridades e editoriais de moda.

Para o público comum, o estereótipo negativo de artificialidade que por muito tempo foi associado à peruca está mudando, mas ainda não é um item que faz parte do cotidiano mainstream . “Acredito que a perucaria fique mais comum por aqui fora dos tapetes vermelhos, mas ainda levará um tempo”, afirma o profissional. Confira dez celebridades nacionais e internacionais que apostam nas perucas e nas laces para explorar diferentes versões de si mesmas: ASSISTENTES DE FOTO: Victor Cazuza e Pietra Lucchesi.

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Flavia Fraccaroli. STYLING: Zazá Pecego. PRODUÇÃO DE MODA: Gabriela Botasso.

CAMAREIRA: Camila Barbosa. BELEZA: João Miranda. ASSISTENTES DE BELEZA: Jessica Santosi e Betynho.

MANICURE: Rose Luna PERUCAS: Shady Jordan. MODELO: Camila Santos. TRATAMENTO DE IMAGEM: Philipe Mortosa.

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